Filha de pais separados. Assim eu me senti ontem, vendo Don L e Nego Gallo cantando individualmente no palco do Circo Voador. Costa a Costa, grupo ao qual a dupla pertencia antes de seguirem carreira solo, fez parte da minha formação no RAP, movimento do qual faço parte há 20 anos e que desses, pelo menos 10 foram ouvindo “Dinheiro, Sexo, Drogas e Violência de Costa a Costa”. Quando, em dezembro, Don L publicou nos stories de seu Instagram que ele e Nego Gallo estariam no palco do Circo Voador e que “quem sabe sobre RAP brasileiro sabia o que isso significava”, foi o suficiente pra eu entender que Costa a Costa entraria no repertório deste show histórico.
Eu esperava que a mixtape completa fosse performada pela formação original do grupo, afinal estavam ali: Don L, Nego Gallo e DJ Flip Jay, só faltava o Berg Mendes. Mas não foi bem isso que aconteceu, na verdade eles só cantaram “Enquanto Num Vim“, uma das minhas preferidas. Foi aí que me dei conta de que eu era a criança que tinha acabado de compreender a separação dos pais. Primeiro vem a negação: não é possível, tem que acontecer. Depois a ficha cai: cada um tomou seu rumo, e por mais que mantenham uma relação cordial, eles não estão mais juntos, não moram na mesma casa, não são mais um par.
Esse show foi simbólico para mim no sentido de entender que Costa a Costa ficou em 2007, a história já está marcada e essa marca não se apagará, agora é olhar pra frente. Depois de ouvir mais de cinco vezes o álbum “Roteiro Pra Aïnouz, Vol.2”, de Don L, essa semana – disco que, como uma criança birrenta, a princípio eu tinha me recusado veementemente a ouvir – e de ver o rapper em cima do palco; as pessoas vibrando; toda aquela energia de luta e garra para a transformação; e as metáforas, trocadilhos e ótimas sacadas que Don carrega consigo desde Costa a Costa; ali sim, eu entendi. De repente, tudo começou a fazer sentido e eu só pensava: o trabalho solo de Don L transborda amadurecimento. Amadurecimento musical, amadurecimento de ideologia, de pensamento, de ideias, amadurecimento na forma de cantar. E quando me dei conta, meus olhos estavam marejados, por pouco não escorreu uma lágrima em meu rosto. Relembrando o show de ontem, como um filme passando em minha cabeça, meus olhos voltam a marejar. Eu finalmente pude entender que quando os pais tem coragem de se separar, significa que eles compreenderam que a história que vivenciaram juntos foi boa enquanto durou, mas que a partir daquele momento eles têm voos mais altos a alçar. E aí, não tem como voltar atrás, é preciso seguir sozinho.
“A gente voa alto e o tempo não volta.”
“Agora não, agora é pra voar, salta.”
“Tem sido um voo foda, tem sido um voo foda, tem sido um voo foda.”
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