Matheusa Moreira, artista capixaba que transforma o cotidiano em pinturas abstratas, inaugura residência para produção e pensamento da negritude e transexualidade

Com mentoria de Mônica Ventura, a artista visual aprofunda o íntimo e a subjetividade em sua prática de pintura abstrata, com diálogos públicos previstos para novembro

(Créditos da imagem: Luan Jacinto)

A residência artística “Modulações Abstratas”, protagonizada pela jovem pintora capixaba Matheusa Moreira, acontece de 1º de outubro a 1º de dezembro de 2024, no Centro de Vitória, onde a artista inaugura seu ateliê. Localizado próximo ao mar, o novo espaço marca uma mudança em relação à sua primeira residência, que ocorreu em um ambiente mais isolado. Agora, no polo cultural do Espírito Santo, a proposta é estreitar o contato com o público e proporcionar um diálogo mais intenso com o contexto urbano.

Com a mentoria da artista Mônica Ventura, o projeto promove um intercâmbio de ideias e processos criativos, explorando a subjetividade e as experiências íntimas de Matheusa como núcleo de sua prática artística, imprimindo uma visão inovadora e sensível à pintura abstrata.

Nascida e residente da Serra, no Espírito Santo, Matheusa Moreira é pintora e se dedica à prática da pintura abstrata, buscando expressar seu desejo por amor, liberdade e mistério. Formada em Artes Visuais pela Universidade Federal do Espírito Santo, ela já participou de diversas exposições e foi premiada em 2022 e 2023 pelo edital de Artes Visuais da Secretaria de Cultura do Espírito Santo.

Em sua prática e pesquisa, a artista busca novas compreensões sobre a pintura, distanciando-se dos conhecimentos clássicos e europeus, e explorando o que define como “arte negra-trans” na contemporaneidade. Seu trabalho se desdobra na técnica da pintura abstrata e nos esboços da escrita ficcional, meios que refletem sua vontade de atravessar as fronteiras estabelecidas pelo pensamento eurocêntrico hegemônico, como gênero, etnia e as marcas do trauma colonial-moderno que impactam seu corpo e identidade.

Com o desejo de traçar novas rotas estéticas e textuais, sua criação artística é impulsionada pela busca por sentimentos de amor, paz e celebração do tempo, com o objetivo de alcançar um estado de liberdade criativa e pessoal.

“Por onde andam as artistas que produzem trabalhos que se distanciam dos discursos figurados e explícitos sobre os atravessamentos como racismo e transfobia? Por que nós, sujeitas negras e transsexuais, precisamos constantemente nos atrelar à discursos que apagam nossas individualidades? Quando estaremos aptas, mercadologicamente, para falarmos de amor na arte contemporânea?” reflete a artista, em seu questionamento sobre as possibilidades e desafios de sua subjetividade no mercado da arte, muitas vezes marcado por demandas de representação fetichista.

Para ela, a arte é uma conexão com o íntimo, um diálogo silencioso que transcende a palavra. “Minha pesquisa é também a minha vida”, afirma, destacando a impossibilidade de separar as experiências pessoais das influências de sua obra. Assim, sua prática artística torna-se um espaço para a afirmação de sua identidade e para a criação de um mundo em que seu corpo pode se expressar livremente, cercado de amor.

Ao longo da residência, Matheusa aprofundará sua investigação sobre o íntimo e o mistério, afastando-se das representações de violências sistêmicas. O objetivo é desenvolver novas visualidades que expressem os sentimentos que atravessam sua existência.

Como parte do projeto, serão realizados dois diálogos públicos, em 28 e 29 de novembro, às 16h, no Museu De Arte do Espírito Santo – MAES, envolvendo Mônica Ventura e as convidadas Ione Reis e Jaine Muniz. Esses encontros propõem uma troca entre artistas, incentivando discussões sobre as linguagens e abordagens na arte contemporânea.

A escolha de Mônica Ventura como mentora para a residência artística “Modulações Abstratas” reflete a admiração de Matheusa Moreira por sua habilidade em abordar temas complexos por meio de múltiplas linguagens. “Mônica tem uma visão muito inteligente de ver a arte, sempre me surpreende com perguntas e propostas intrigantes. Castiel, que em outro projeto foi minha mentora, me traz questionamentos imprescindíveis para a conexão entre o íntimo e o meu trabalho, tê-las como mentoras é muito honroso, porque as duas são referências enormes no cenário da arte contemporânea. Ter sido orientada por duas grandes referências da arte contemporânea, como Mônica Ventura e, anteriormente, Castiel Vitorino, é uma experiência transformadora. Elas expandiram minhas percepções sobre o que é possível na arte e na vida”, comenta Matheusa.

Além da mentoria de Ventura, Matheusa se inspira na artista e convidada, Ione Reis, cuja abordagem figurativa contrasta com sua própria abstração, mas que toca profundamente ao retratar cotidianos negros com afeto e liberdade. “Ione é uma inspiração à parte”, diz Matheusa. “Ela evoca intelectualmente o que me move: ser livre, afeto e novas formas de nos enxergar.”

Outra figura central é Jaíne Muniz, amiga e colaboradora de longa data, com quem Matheusa desenvolveu o projeto de residência “Tempo de Mar”. Durante quatro meses, as artistas se afastaram da região metropolitana do Espírito Santo e se imergiram na natureza, encontrando junto ao mar um espaço de reflexão sobre suas práticas e processos criativos. “Jaíne sempre esteve por perto para diálogos sobre arte e vida”, relembra Matheusa, destacando a importância dessa vivência conjunta para sua evolução artística.

Com o apoio dessas colaborações, “Modulações Abstratas” se consolida como um momento de troca, inspiração e aprofundamento, refletindo o valor das conexões que transcendem o trabalho e impactam a visão de mundo de Matheusa.

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