D’O Rappa ao trabalho solo: os álbuns que marcaram a trajetória de Marcelo Lobato na música brasileira

Dos clássicos d’O Rappa às colaborações com Lenine e Zeca Baleiro, um mergulho nos discos que carregam a assinatura de Marcelo Lobato

Créditos: Rodrigo Ferraz

Marcelo Lobato construiu uma carreira notável na música brasileira, deixando sua marca como instrumentista, compositor e produtor. Ao longo dos anos, esteve envolvido na criação de discos emblemáticos, ajudando a moldar a sonoridade de artistas e bandas de diferentes estilos. Entre os álbuns mais significativos de sua trajetória, destacam-se Lado B Lado A d’O Rappa, Falange Canibal de Lenine e produções para nomes como Zeca Baleiro, Elizza e Pedro Cine.

Capa do álbum Lado B Lado A, d’O Rappa

Lado B Lado A – O Rappa (1999)

Considerado um divisor de águas na história d’O Rappa, Lado B Lado A foi um marco na música brasileira dos anos 1990. O disco consolidou a banda no cenário nacional e trouxe uma sonoridade inovadora, que misturava reggae, rock, hip-hop e influências eletrônicas.

Lobato teve um papel essencial na construção desse som, explorando samplers, sintetizadores e percussão acústica para criar um ambiente sonoro dinâmico e autêntico. “Foi um disco que pude experimentar bastante, com o aval do produtor Chico Neves. A riqueza de timbres e a mescla de elementos eletrônicos com instrumentos acústicos foram algo marcante”, relembra Lobato. Faixas como “Minha Alma (A Paz Que Eu Não Quero)” e “O Que Sobrou do Céu” são exemplos dessa abordagem inovadora.

Capa do álbum Falange Canibal, de Lenine

Falange Canibal – Lenine (2002)

No início dos anos 2000, Lobato teve a oportunidade de trabalhar ao lado de Lenine na produção de Falange Canibal, álbum que venceu o Grammy Latino. Sua participação se destacou na faixa “Quadro Negro”, trazendo sua expertise na construção de texturas sonoras e na utilização de elementos eletrônicos.

A mistura de ritmos brasileiros com rock, eletrônica e world music tornou esse disco um marco na discografia de Lenine, e Lobato contribuiu para essa identidade inovadora. “Lenine é um artista que sempre busca novas possibilidades, e trabalhar nesse projeto foi um desafio empolgante”, comenta.

Outros trabalhos marcantes

Ao longo da carreira, Marcelo Lobato também colaborou com diversos artistas, deixando sua assinatura em diferentes projetos. Com Zeca Baleiro, produziu a faixa “Homem Só”, agregando sua experiência em arranjos e produção musical. Já ao lado de Pedro Cine, esteve envolvido na canção “Ai, Ai, Ai”, e com Tay, trabalhou na faixa “Sua Rua”.

Capa do álbum Era Domingo, Zeca Baleiro

Recentemente, sua atuação como produtor se estendeu para artistas como Elizza, produzindo singles como “Densidade”, “Faz a Sua” e “Domini”. Seu envolvimento nesses projetos reforça sua capacidade de adaptar-se a diferentes estilos e contribuir com sua visão musical para novos talentos da cena brasileira.

A identidade sonora de Marcelo Lobato

Seja como integrante d’O Rappa, seja na produção de artistas consagrados e emergentes, Marcelo Lobato se destacou por sua capacidade de traduzir emoções e conceitos em experiências sonoras autênticas. Seu trabalho vai muito além da execução instrumental – ele é um arquiteto do som, sempre buscando novas formas de expressão musical.

Com uma trajetória marcada por experimentação e inovação, Lobato segue expandindo seus horizontes, agora se dedicando também ao seu trabalho solo. Seu legado, no entanto, já está consolidado em alguns dos álbuns mais importantes da música brasileira.

Capa do single O Corte

Créditos: ALVARES (@alvaresofficial)

ENTREVISTA COM LOBATO

1. O álbum Lado B Lado A completou 25 anos em 2024. Quando você olha para trás, o que mais te marca na criação desse disco?

 Esse disco foi feito durante a turnê do álbum “Rappa Mundi”. Quando voltávamos para o Rio, após os shows, íamos pro estúdio. Levou por volta de dois para definirmos quais músicas seriam gravadas. Teve várias fases. Me lembro de quando o Bill Laswell veio com seu engenheiro de som para produzir duas faixas: “Lado B Lado A” e “Na Palma da Mão”. Ele nos disse que já tinha gravado nas mais variadas situações de adversidade. Pois bem. No primeiro dia de gravação houve um blecaute no Brasil em sete estados. Já o Chico Neves, construíu praticamente o seu estúdio para nos gravar e produzir. Um apartamento bem pequeno no Jardim Botânico, Rio. E depois fomos mixar no estúdio do Peter Gabriel, o Real World. Foi um período de muita liberdade de criação 

2. A sonoridade do álbum misturava elementos eletrônicos com percussão orgânica de forma bem ousada para a época. Como foi o processo criativo e a liberdade dentro do estúdio? 

Nessa época já tínhamos um certo equipamento à nossa disposição. No estúdio experimentávamos de tudo. Tentávamos fazer algo bem diferente dos dois outros álbuns. Utilizando mais o dubb, a combinação de timbres diferentes, meio progressivo também…E o Chico Neves foi fundamental nesse percurso.

3. “Minha Alma” e “O Que Sobrou do Céu” se tornaram verdadeiros hinos e até ganharam prêmios. Como foi dar vida a essas faixas? Você sentia que seriam tão impactantes? 

Nós percebíamos que estas músicas tinham força, assim como outras músicas: “Homem Amarelo”, “Tribunal de Rua” e “Me Deixa”. Elas só chegaram a forma ideal na mixagem. O Rappa trabalha de outra forma. São batidas que se encaixam com linhas de baixo meio mântricas e harmonias com timbres densos. É bem plástico o nosso jeito de lidar com música. São camadas sonoras sobrepostas. Quase uma pintura. Por isso demorávamos tanto a finalizar nossos álbuns. 

4. Você trabalhou com artistas como Lenine, Zeca Baleiro, Elizza e Pedro Cine. Como é adaptar sua linguagem sonora para diferentes estilos e gerações? 

As pessoas me procuram para produzir porque se identificam com os projetos de que participei. Gosto de trabalhar com diferentes artistas e tento imprimir minha marca. Respeito as idéias deles. E como ouço todo tipo de música, fica mais fácil entender os diferentes caminhos. Geralmente sempre tem um fio condutor, tem algo que me inspira e me faz partir para um determinado arranjo ou escolher um timbre afim. Respeito o tempo, os prazos, mas  esse momento de criação é mais importante. Enquanto não me sinto confortável com o que estou fazendo, não sossego. Esgotar todas as possibilidades e construir algo original. Que imprima uma identidade àquela obra.

5. Agora, com o lançamento do single O Corte, você inicia uma nova fase mais pessoal e autoral. O que esse projeto representa pra você depois de tantos anos nos bastidores?

 A pandemia me trouxe a possibilidade de lançar minhas músicas. Batidas, programações, grooves, tudo isso que tinha guardado ao longo dos anos transformado em  canções. A maior parte delas com letras de meu irmão, Marcos Lobato, principal letrista depois da saída de Marcelo Yuka. Era algo que precisava fazer, uma necessidade de mostrar de fato, um quadro mais fiel ao que sou capaz de fazer musicalmente. Ter mais controle na execução das idéias. Adoro trabalhar com os outros. Não é a toa que depois que as coisas ficaram mais suaves, pude levar esse material para meu estúdio, O Jimo e contar com a co-produção de Zé Nóbrega. Mas gosto de ter essa liberdade de executar a minha maneira, instrumentos variados. As idéias da forma como me satisfazem. Os diferentes timbres livremente combinados. 

6. O que os fãs de O Rappa e da sua produção podem esperar do seu trabalho solo? Ainda há elementos daquela época ou é uma reinvenção completa? 

Tento não repetir as idéias. Por isso presto atenção a todo tipo de som, de música…Acho que já tenho uma personalidade musicalmente falando, mas que sempre se esforça em acrescentar outras qualidades. Tentar fugir de padrões, de escolhas fáceis…Ao mesmo tempo é um movimento prazeiro, principalmente quando as idéias fluem espontâneamente, sem restrições e falsos julgamentos. 

7. Você é um cara de bastidores, mas que influenciou muita coisa na música brasileira. O que te move a continuar criando hoje?

 Como diz a letra, “Música é meu aeroplano…”. Se eu fosse me guiar pelas dificuldades do passado quando mal conseguia ter um instrumento decente…E foi muito importante valorizar esses momentos. Já participei de tudo quanto é formato em música. Grupos de música africana, afro-cubano, danca, teatro, trilhas sonoras, de pífanos (  nas ruas do Rio ). Hoje tenho o privilégio de poder registrar minhas idéias da forma apropriada, livre e cuidar de todas as etapas do que lanço. A forma de me mostrar ao mundo é pela música. Sem dislumbre, com respeito profundo a arte e com um entusiasmo ainda maior. Tendo noção que o melhor momento é exatamente agora. E tem muita coisa ainda a ser realizada.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

BUSCA

Popular Posts