A instalação de fotos hiper dimensionadas traz visibilidade às mulheres de mais de 50 anos que foram e são precursoras de transformação e crescimento de suas comunidades e de suas próprias histórias. (Créditos da imagem: Leo Souzza)
A partir de maio, as periferias de bairros das cinco zonas da cidade de São Paulo se transformam em uma galeria a céu aberto onde 50 mulheres potências, com mais de 50 anos, são homenageadas. Trata-se do MÍTICAX – UM RECADO ÀS MULHERES QUE VIRÃO: uma instalação de fotos hiper dimensionadas, sobrepostas com depoimentos em texto, de mães, avós, trabalhadoras, donas de casas, mulheres da quebrada, invisibilizadas pela sociedade, mas que foram e são precursoras de toda transformação e crescimento de suas comunidades e de suas próprias histórias.
“Quebrando as barreiras entre a arte, antropologia visual e intervenção urbana, com o nosso projeto esperamos impactar tanto as mulheres que foram retratadas, valorizando e destacando suas conquistas e jornadas, como as outras gerações de mulheres destas comunidades, que podem se identificar e perceber que essa luta começou há muito tempo e que o caminho ainda será longo, mas que elas não estão sozinhas: em cada casa da quebrada há uma mulher mítica lutando, resistindo e conquistando, pouco a pouco, mais direitos, mais espaço, mais reconhecimento e mais liberdade. Na era onde se valoriza muito o agora, reconhecer a força e o caminhar do passado é criar laços e bases mais fortes para um futuro ainda melhor”, explica Michelle Serra, idealizadora, curadora e coordenadora geral do projeto.
MÍTICAX propõe captar e revelar a potência dos olhares, essências e histórias dessas mulheres raízes de suas comunidades. Um processo que exige escuta, intimidade e que se orienta pela valorização de cada uma delas, de sua identidade e memória. O objetivo é que o projeto tenha um retorno imediato e direto, tanto para as personagens retratadas, quanto para as pessoas que passam pela exposição. Utilizando a arquitetura urbana das regiões como suporte para uma exposição fotográfica que altera a paisagem e reage com o público, a proposta é de uma obra onde as histórias, fotos, cidade e espectadores se confundam.
Os bairros selecionados foram Paraisópolis, na Zona Sul; Itaquera, na Zona Leste; Butantã, na Zona Oeste; Brasilândia, na Zona Norte; e Centro. Cinco agitadoras culturais que são moradoras e atuantes socialmente em cada um deles foram convidadas para serem as produtoras locais e captadoras de nomes e histórias. Mulheres que cresceram nessas comunidades e foram impactadas diretamente pelo legado das homenageadas. Para a escolha das participantes, três critérios foram estabelecidos: que elas tenham mais de 50 anos, estejam vivas e que seus nomes fossem reconhecidos nas ruas. As 50 selecionadas foram visitadas uma a uma em suas casas, para a sessão de fotos e com as entrevistas registradas em vídeos.
“Mulheres que são referências em momentos críticos e felizes das comunidades. Mulheres que têm seus nomes ligados às conquistas locais, como aberturas de ruas, fornecimento de luz e água, escolas, ubs, hospitais, centro comunitário e esportivos, etc. Mulheres que alimentam a comunidade fornecendo comida a quem não tem, mesmo que para isso elas tenham que ficar com fome. Mulheres que conseguiram casas para outras tantas mulheres e famílias. Mulheres que cuidam de crianças que não tem quem cuide delas. Mulheres que trazem felicidade e lazer para jovens, crianças e idosos abandonados pelo Estado. Mulheres que tiveram que ser fortes em momentos de muita tristeza e dor. Mulheres que educam e dão valores aos seus e a muitos outros filhos. Mulheres que alimentam a fé e o sonho de outras mulheres, que buscam e acreditam em dias melhores, com mais dignidade e direitos. Mulheres que acolhem, em suas casas, outras tantas mulheres e crianças, que precisam de ajuda para enfrentar as mazelas da vida. Mulheres que ajudam e socorrem sem distinção de credo, cor, classe ou enfermidade”, descreve Michelle.
É o caso da Vovó Tutu, de 72 anos, nascida e criada na Brasilândia. Mãe solo de 6 filhos (2 biológicos e 4 adotados), teve quatro empregos simultâneos, entre eles, na zeladoria do Hospital das Clínicas. Enquanto estava no HC, ela acolhia as mães das crianças internadas, que não tinham acesso à alimentação, dando escondido as marmitas que sobravam dos pacientes. E ela entendeu que era esse tipo de trabalho que gostaria de fazer: ajudar o próximo. Quando foi descoberta, pediu demissão no hospital, mas continuou indo lá para vender marmitas com preço acessível para os acompanhantes dos pacientes. Na sua casa, construiu um salão no terceiro andar que ela oferecia para pessoas da comunidade que não tinham condições de fazer aniversário, festas de casamento, além de servir de local de atendimento de saúde para a população, principalmente aos idosos que não conseguiam subir até o posto de saúde localizado no alto da comunidade da Zona Norte.
Depois, resolveu investir no sonho de ter um restaurante próprio. Cinco dias após a inauguração, precisou fechar por causa da pandemia. Perdida, devendo, sentiu uma presença divina e decidiu fazer pão para doar para a comunidade. Como não tinha dinheiro, seu neto de 12 anos fez um vídeo falando sobre a falta de condições de desenvolver o projeto e viralizou. Com a ajuda da comunidade, ela conseguiu ajudar a comunidade. Hoje ela produz uma média de 2 mil pães por dia para doação e transformou seu lar no Instituto da Vovó Tutu, onde também oferece tratamento psicológico e educação através de parcerias.
“Criou-se um ciclo vicioso porque eles pegam um pão aqui, já ficam maquinando onde vão pegar o gás, a feira, a comida. Então eles ficam nesse círculo que começou a me fazer muito mal. E você começa a questionar: ‘até onde eu estou ajudando?’. Então eu falei para a minha filha que precisávamos mudar isso e começamos a dirigi-los para fazer cursos”, conta Vovó Tutu. “Então esse é o trabalho no Instituto: direcionar as pessoas para cursos, diminuir cada vez mais a fila do pão e mostrar para eles que eles têm dignidade, capacidade e que eles podem tirar do próprio suor, que é tão digno, o pão de cada dia”.
Alveci Oliveira Deorato, 74 anos, é baiana que chegou ainda criança também na Brasilândia. Sua primeira ação, já adulta com 7 filhos, foi lutar por água, reunindo 82 pessoas para protestar na frente da Sabesp. Sua estratégia era pedir que todos deitassem no chão para se fazerem ouvir. Ainda sem conseguir a água, foi em busca de um posto de saúde e quando a profissional pública foi avaliar as condições da comunidade, ficou espantada com a qualidade da água usada, proveniente de um córrego. Após a análise técnica, dona Alveci retornou para a Sabesp com os resultados.
“Chamaram a polícia e quando ela chegou, perguntaram para o diretor, o doutor Hélio, o que estava acontecendo. Ele falou ‘eu não sei, essa mulher chegou com esse monte de gente e agora mandou todo mundo deitar no chão e eu não sei o que está acontecendo’”, lembra Alveci. “Aí eu falei para eles: ‘nós somos todos bandidos, nós estamos aqui para roubar o direito que Deus nos deu da água e que vocês negam para nós’. Aí eu mostrei para o repórter Júlio Mesquita a análise da água, que foi ao ar ao vivo e nos ajudou muito. E fomos à luta. E depois que a água entrou aqui, fomos homenageadas na Câmara, recebemos medalha de Honra ao Mérito porque foi a primeira favela que entrou água individual”.
Depois da água, ela se uniu ao MDF (Movimento de Defesa dos Favelados), que estava lutando pela luz. E começou a participar de congressos pelo Brasil para ensinar as pessoas a se mobilizarem e lutarem por seus direitos, até ser eleita Coordenadora Nacional do movimento. Em busca de dignidade, lutou no Congresso Nacional para tirar da Constituição o termo “marginalizado” quando se referia a “favelado” porque os moradores das comunidades não podiam usar seus endereços para registros legais, sendo necessário inscrições de residências de bairros oficiais. E sempre repete em assembléias e plenários que “direito para a gente, ninguém dá. É a única coisa que a gente não tem e tem que mostrar que tem, sem ter. Tanto para homem, quanto para mulher”. E sua luta por melhores condições na comunidade é para todos os âmbitos: hospital, escola, campo de futebol. Ela foi responsável por políticas públicas que o Estado ignorava à comunidade.
O caso de Laura da Cruz da Baia, de 61 anos, moradora do Centro de São Paulo, é um pouco diferente das mulheres entrevistadas. Ela começou sua vida social e de mudança de carreira (se podemos assim dizer) depois dos 50, longe de sua cidade e família. Foi quando saiu de Belém do Pará e veio a São Paulo, em busca de melhores condições de vida, a convite de uma amiga. Assim que chegou no aeroporto, soube que essa amiga não poderia recebê-la. Sem ter para onde ir, morou por meses no aeroporto. Acreditando que conseguiria ajuda de estranhos que a abordavam, foi enganada, explorada e roubada. Até que foi levada ao CRAS (Centro de Referência da Assistência Social) e foi encaminhada a um abrigo. Lá, ela soube que estavam precisando de pessoas para reciclagem e conseguiu uma vaga na cooperativa.
Em 8 anos, se transformou na coordenadora e gestora do material coletado de São Paulo. Laura atualmente é responsável por 180 catadores da cidade, coordenando e dando destino ao que eles coletam. Além disso, é uma líder social dos catadores, uma das vozes mais influentes hoje quanto à realidades e luta por direitos desses profissionais marginalizados. O Pimp My Carroça é apenas o lugar onde a acolheu, deu visibilidade e espaço para ela desenvolver este trabalho. Além de coordenar um grande parte dos catadores da capital paulista, ela tem um trabalho de educação da reciclagem em suas redes sociais, onde tem mais de 20 mil seguidores só no Instagram, e junto com escolas públicas e privadas de São Paulo.
As 50 mulheres periféricas, que fizeram e fazem a diferença nas suas comunidades, representam as particularidades de suas regiões, mas também retratam a força de tantas outras mulheres que não se conformam com a falta de acesso imposta por um sistema e lutam por uma vida mais decente onde o Estado não atua. Ao fim da entrevista, a pergunta tema do projeto é feita: “Qual o recado que você deixa para as mulheres do amanhã/futuro?”. E as respostas sempre envolvem luta, força, dignidade, respeito, liberdade e esperança.
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