Das quebradas para a sua televisão

Quem faz parte do movimento hip hop, ou pelo menos se identifica e o acompanha dos anos 80 até meados dos anos 2000, sabe que o ritmo está passando por uma tremenda fase de transição desde 2008.

Com certeza esse período será um marco, eu dividiria a história do rap em duas fases a nova e a antiga geração.

Quando criança o rapper Emicida acompanhava os bailes blacks, organizados por seus pais, nas periferias de São Paulo. Conhecido principalmente pelo dom do improviso, ganhou onze vezes a Batalha Santa Cruz e doze a Rinha dos Mcs. Com o single” Triunfo”, lançado em 2008, o mc começou a ganhar destaque na cena do rap nacional. Em 2009, lançou o Ep Pra quem já Mordeu um Cachorro por Comida, até que eu Cheguei Longe…,  vendido nas portas das baladas não só por ele mesmo, mas também por seu irmão e produtor Fióti, e alguns amigos. Dessa forma chegou a vender três mil cópias. Sua maneira de fazer rap é muito diferente do que já tínhamos visto até então; atingiu outras camadas sociais, conquistou um público diferente, fez shows em casas noturnas por todo o Brasil, chegou a ser o primeiro rapper do país a participar do festival de Coachella, na Califórnia, além de muitas aparições em mídias, até então, desprezadas pela maioria dos rappers.

Querendo ou não, Emicida revolucionou o rap. Criolo chegou junto. O cantor atua nessa modalidade desde 1989 e só teve o devido reconhecimento por volta de 2011 quando lançou Nó na Orelha, produzido por Daniel Ganjaman e Marcelo Cabral. O disco mistura diferentes ritmos, como funk, soul, MPB, blues, entre outros. Considerado o melhor álbum nacional de 2011 pela revista especializada Rolling Stone, foi também extremamente bem recebido pela crítica a estrangeira. Outros nomes, como Projota e Rashid, também contribuíram muito para a mudança do rap, que envolve a abordagem de novos temas nas letras, mistura de ritmos, abertura para mídia, além da inclusão de novo público, até então não interessado em rap.

Essas mudanças no cenário deixaram, porém, insatisfeitos muitos militantes do Hip Hop e amantes da música rap. Isso se refletiu nos grupos radicais, como Racionais Mc’s, que mudaram sua postura principalmente em relação à mídia. Hoje os quatro integrantes deixam bem clara a posição individual que cada um deles tem em relação às questões que pregavam anteriormente. Não se mostram como um grupo homogêneo, e sim como quatro mentes pensantes, e muitas vezes contraditórias. Mano Brown, o líder do grupo, se posicionava anti-mídia, aparecendo raramente em programas de TV. Comparecia naqueles em que acreditava que não iriam lhe distorcer a imagem e as palavras, como o Roda Viva (2007) e Yo Mtv (1998 e 2002), além de receber o prêmio que o grupo Racionais Mc’s ganhou no VMB (Video Music Brasil) em 1998 e em 2012. Atualmente Mano Brown mantém uma carreira solo, na qual se dedica a compor músicas de amor, que segundo ele não se enquadram no Racionais Mc’s. Com uma mente “neoliberal”, já chegou comparar a si mesmo à uma empresa e chamou seus fãs de clientes em um show dos Racionais Mc’s no Carioca Club, em Pinheiros, no ano de 2013. Recentemente, foi abordado em um aeroporto de São Paulo por um jornalista do programa Pânico na Tv do canal Band para entrevista. Aceitou, sem fazer caso que o apresentador o acompanhasse durante o vôo.

Outro integrante dos Racionais, Edi Rock hoje faz parte da gravadora Bagua Records. Seu álbum solo Contra Nós Ninguém Será, lançado pela gravadora, mistura diferentes estilos musicais, como reggae, rap e acordes de guitarra. Numa das faixas tem participação de Marina de la Riva, que junta ritmos brasileiros a elementos da música cubana. O que também, teoricamente, não se enquadraria num disco do Racionais Mc’s. Edi Rock, que já cantou “não pago pau pra playboy de canal/ de olho azul/ Mitsubishi azul/ vai tomar no cu/”  em participação da música Homem de Aço do grupo DMN, este ano marcou presença no programa do Luciano Huck. Durante a apresentação, Huck foi buscá-lo em um hotel do Rio de Janeiro, num carrão, o que configura evidente contradição. Através do Facebook, recebeu muitas mensagens criticando sua postura, em resposta deixou a seguinte mensagem: “Sou Racionais, mas não ‘o’ Racionais, sou Rap mas não ‘o’ Rap Nacional, acredito que vivemos num país livre e por isso temos liberdade de escolhas, eu escolhi ir onde eu achar que devo ir levar a minha mensagem e a minha música, entrar onde eu for convidado e principalmente… ‘respeitado’”.

Ice Blue, outro integrante do Racionais, faz parte da mesma gravadora Bagua Records, onde se uniu a Helião para trabalhar juntos num disco. Recentemente lançaram a música Triplex, que ainda não saiu oficialmente, mas tem sido cantada em shows. E anteriormente haviam participado da música Estilo Gangstar do rapper Tulio Dek, irmão do dono da gravadora. O clipe da música foi lançado no programa Fantástico da Rede Globo e recebeu críticas por parecer mais um clipe de funk ostentação.

Kl Jay é o único integrante do grupo que não provocou polêmicas nesses últimos anos. Manteve sua postura, conduta e ideologia. Vegetariano, amante da música negra, atua em diversos locais do país, organiza campeonatos de djs, possui uma casa noturna e mantém sua fama, sem necessitar dos holofotes das grandes mídias.

É verdade que a mudança de postura dos integrantes do Racionais Mc’s, expondo-se na mídia, facilitou o acesso do público do rap da nova geração à imagem do grupo. Público esse voltado a redes sociais, mundo virtual, que preferem raps diferentes, com temas leves e, ao mesmo tempo, com um quê de rebeldia. Se os antigos grupos de rap não caminharem juntos com a evolução da juventude, um dia morrerão.

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